Obstáculos instalados por traficantes e milicianos têm como objetivo impedir a entrada da polícia e a invasão de quadrilhas rivais. O resultado é comunidades sitiadas, sem acesso a serviços essenciais. Reportagem especial mostra como barricadas se multiplicaram nos últimos anos no Rio de Janeiro
Uma das faces visíveis do crime organizado: barricadas instaladas por traficantes e milicianos no Rio de Janeiro com o objetivo de impedir a entrada da polícia e a invasão de quadrilhas rivais. O resultado? Comunidades sitiadas, sem acesso a serviços essenciais. Quem sofre diariamente ainda vive sob a ameaça dos bandidos. Como combater o avanço dessas obras do crime e devolver aos moradores o direito fundamental de ir e vir?
“Eu acho isso um absurdo. Moro lá há 40 anos e tenho que pedir licença para entrar na minha casa”, diz um morador.
“A barricada, na verdade, é aquela mensagem: a partir de agora, quem manda é o tráfico”, afirma um professor que preferiu não se identificar.
Em toda a Região Metropolitana do Rio, as barricadas se tornaram o traço mais visível do domínio do crime organizado. Na última semana, o telejornal RJTV 2ª Edição mostrou a rotina dos moradores que vivem nessas áreas sitiadas.
“A gente fica com medo do que vai acontecer porque a gente está cercado de bandidos. É revoltante você ser proibido de chegar na porta da sua casa”, afirma uma pessoa que preferiu não se identificar.
E o mundo de quem vive cercado pela violência está ficando maior. É o que mostra um levantamento do Disque-Denúncia, em todo o estado do RJ. Só em 2022, foram registradas mais de 10,4 mil denúncias. Uma quantidade que vem subindo nos últimos anos. Gráfico mostra o registro desde 2016: a queda apontada foi no início da pandemia de Covid, em 2020. De lá para cá, os números voltaram a subir e já atingiram o patamar de 2019.
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Em São Gonçalo, segundo município com a maior população do estado, as marcas dos bandidos estão por toda a parte. Virou função da Polícia Militar retirar as barricadas com equipamentos de engenharia.
A denúncia pode custar uma vida. Foi o que aconteceu com a família de homem.
“Um parente meu, quando foi chegar em casa, pela retaliação, foi sequestrado e executado. Eles não ficaram satisfeitos só com meu parente. Então, fui expulso da minha casa. Eu tive que largar tudo para trás”, conta um morador.
Os bloqueios também interrompem caminhos de quem poderia salvar vidas.
“Praticamente, em 90% das ocorrências, o local tem barricada”, conta uma enfermeira.
Todas as ambulâncias seguem a mesma regra em São João de Meriti: as luzes indicam que o veículo está em atendimento e, por isso, são ligadas antes de sair da base. Mas a rotina de atendimentos em áreas de barricadas impôs uma nova conduta: ao se aproximar de uma barreira, toda iluminação externa é desligada – inclusive os faróis.
“Eu, como médico, não poder ajudar uma pessoa que está precisando porque eu tenho que pedir permissão, o termo é esse: pedir permissão para atender. Eu acho que isso já é o fim do mundo”, afirma o médico.
A mesma sensação de impotência do médico é também de um professor.
“O clima é de tensão. Você está entrando em um ambiente onde você pode ter uma guerra a qualquer momento”, diz.
Em 2022, a Polícia Militar retirou das ruas do estado pelo menos 716 toneladas de entulhos. É como se 36 caminhões cheios de concreto saíssem do caminho de moradores.
As barreiras também impedem a prisão de traficantes. O delegado da Coordenadoria de Recursos Especiais calculava o tempo gasto para ultrapassar barricadas em minutos. Agora, são horas.
“Nos últimos três anos, as barricadas se multiplicaram no Rio de Janeiro e a gente tem percebido cada vez mais algumas barricadas que são verdadeiras obras de engenharia, feitas com vigas de aço de construção civil, muito pesadas, e que a gente leva horas para superar e para abrir. É um aumento exponencial do risco de vida do policial, porque o policial tem que desembarcar do blindado, ele acaba se expondo para tomar um tiro e tem que tentar abrir aquela barricada”, diz o delegado da CORE-RJ Fabrício Oliveira.
“A retirada da barricada, hoje, é uma realidade nossa, que a gente acaba investindo um grande efetivo. Eles colocam, a gente vai lá e retira e arruma. É um trabalho de persistência que a gente sabe que é importante. A gente vem estudando cada caso, cada cenário, cada região é um acompanhamento que a gente faz”, afirma Luiz Henrique Marinho, secretário estadual de Polícia Militar do RJ.
“Desespero, medo, impotência. Todos esses sentimentos de pânico. É horrível!”, diz uma moradora.
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