O trabalho escravo é um problema crônico no Brasil. Só nos dois primeiros meses de 2023, 523 já foram resgatadas em condições análogas à escravidão; 207 delas foram resgatadas de um alojamento em Bento Gonçalves, em um caso que escandalizou o país. ‘Justiça para eles e liberdade para nós’, diz uma vítima. Spray de pimenta, espancamento e comida estragada: veja relatos de pessoas resgatadas em condições análogas à escravidão no RS: ‘Pesadelo’
A história do João Ribeiro, que o Fantástico mostrou neste domingo (5), revela como o trabalho escravo é um problema crônico no Brasil. Em 2022, 2,5 mil pessoas foram resgatadas de condições análogas à escravidão. Só nos dois primeiros meses de 2023, já foram 523; 207 delas foram resgatadas de um alojamento em Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, em um caso que escandalizou o país.
“Estavam querendo fazer o quê? Voltar ao tempo da escravidão, né? Só que naquele tempo dos escravos, eles eram espancados com chicote, bola de ferro, correntes e a gente estava sendo escravizado de outro tipo de forma, se aproveitando das piores formas do nosso suor”, diz uma vítima.
Os trabalhadores contam que foram recrutados na Bahia por Pedro Augusto de Oliveira Santana, no início de 2022, para a colheita da uva. Ele é responsável pela empresa Fênix Serviços de Apoio Administrativos, que fornecia mão de obra terceirizada às vinícolas Aurora, Salton e Garibaldi.
“Foi uma proposta de 45 dias pagar R$ 3 mil. Quando chegou lá, a gente viu foi um pesadelo”, conta uma vítima.
“Muito pai de família chorou lá mesmo. Alimentação todo dia azeda”, relata uma outra vítima.
Pessoas resgatadas em condições análogas à escravidão no RS
Fantástico/ Reprodução
Em um mercado, os trabalhadores contraíam dívidas que ultrapassavam o valor do salário. A dívida impagável é uma das formas mais comuns de escravização moderna.
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“Um dia, a gente levantou para trabalhar. Veio aquele saco molhado, a farda e ele aí falou: ‘Se vocês não subirem para trabalhar é falta’. Eu resolvi fazer o vídeo, e todo mundo falando”, conta uma vítima.
“Aí o vídeo vazou, eles descobriram. Foi a hora que eles pegaram os meninos para arregaçar. Disse que baiano bom é baiano morto”, completa outra vítima.
“Eles me trancaram dentro do quarto, spray de pimenta na cara. Me espancaram, cadeirada, cacetaram no meu pescoço, aqui. Estou, aqui, com meu pescoço inchado. Meu braço aqui todo marcado”, relata uma vítima.
Um trabalhador e mais dois colegas fizeram uma denúncia à Polícia Rodoviária Federal. Uma operação foi montada com o Ministério do Trabalho e a Polícia Federal.
“O trabalho escravo foi caracterizado pelas condições degradantes de trabalho e também pelas jornadas exaustivas. Os trabalhadores estavam submetidos a condições que eram praticamente senzalas modernas”, afirma Maurício Kropski, auditor fiscal do trabalho e chefe da divisão de fiscalização para erradicação do trabalho escravo.
“Os relatos são de ameaça nada velada, são de ameaça explícita, inclusive. Com violência física, né? E por pessoas que faziam a segurança desse esquema delituoso. Na verdade, o escopo da investigação é verificar quem cerceou direitos e quem cometeu os crimes”, explica Aldonei Antônio Pacheco Rodrigues, superintendente da Polícia Federal no Rio Grande do Sul.
“O Ministério Público do Trabalho está em avançada negociação com as vinícolas tomadoras de serviço com o sentido de implementar novos mecanismos de controle e fiscalização da cadeia produtiva para que as situações como a de Bento Gonçalves não se repitam”, diz Lucas Santos Fernandes, procurador do trabalho, Ministério Público do Trabalho.
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O que dizem os citados
Em nota, a vinícola Aurora pediu desculpas aos trabalhadores vitimados pela situação.
A vinícola Garibaldi diz que está colaborando com as autoridades para a elucidação dos fatos e amadurecendo suas práticas institucionais.
A Salton disse que nenhum trabalhador da empresa ou prestador de serviços foi resgatado em suas dependências e que não tinha recebido nenhuma denúncia sobre maus tratos e violação dos direitos humanos.
A Fênix, empresa responsável pelo recrutamento dos trabalhadores, informou que pagou a rescisão devida que alcançou a soma de R$ 1,1 milhão, mas não aceitou fazer o pagamento adicional de R$ 600 mil de indenização por não reconhecer que impuseram aos trabalhadores condições análogas às de escravos.
“É triste demais, viu? Quando eu lembro desse negócio aí, vem água nos meus olhos a cada segundo. É justiça, né? Justiça. Justiça para eles e liberdade para nós, porque nós não somos escravos”, diz uma vítima.
Veja a matéria completa sobre trabalho escrevo no Brasil no vídeo abaixo.
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