QG do tráfico: foragidos de outros estados usam o RJ para expandir negócios e como refúgio contra a polícia e quadrilhas rivais

g1 apurou que 60 criminosos de fora do estado foram presos ou mortos em 2 anos no RJ; 7 deles morreram no Salgueiro, na quinta. Polícia estima que, só do Pará, 150 bandidos estejam no estado, escondidos em complexos de favelas, protegidos por barricadas e forte armamento. Morto no Salgueiro, chefe de facção no Pará ampliou seus negócios no Norte e no Nordeste escondido em favelas do Rio
Ao ser preso no Complexo da Maré, na Zona Norte, na quinta-feira (23), o traficante Breno Vinicius Garção Martins, o Hamster, disse que foi para o Rio de Janeiro porque se sentia mais “seguro”.
Chefe de uma facção criminosa do Sergipe, ele seguiu o caminho de dezenas – talvez centenas – de bandidos que têm usado o RJ como um misto de refúgio contra policiais e quadrilhas rivais, e como oportunidade para ampliar o poder em suas regiões de origem.
Em uma entrevista coletiva após a operação que levou Hamster à prisão, o delegado Rodrigo Coelho, da Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE), afirmou que o traficante “disse que no Rio de Janeiro se sentia mais seguro em relação à repressão por parte da polícia de Sergipe e também em relação a facções rivais”.
“Aqui no Rio de Janeiro ele encontrou um porto seguro”, argumentou.
Delegado diz que traficante de Sergipe considerava o Rio de Janeiro seu porto seguro
De acordo com o subsecretário de Planejamento e Integração Operacional da Polícia Civil, Pedro Henrique Brandão Medina, ao menos 60 bandidos do alto escalão do crime organizado oriundos de outros estados foram presos ou mortos nos últimos dois anos no RJ (veja exemplos abaixo).
São criminosos de ao menos 16 estados brasileiros, de todas as regiões do país. Rocinha, e os complexos do Alemão, da Penha, da Maré e do Salgueiro (São Gonçalo) são alguns dos principais pontos de refúgio.
Na sexta-feira (24), o governador Cláudio Castro afirmou que os bandidos que vierem para o estado serão “neutralizados”.
Foi o caso, na véspera, do chefe do tráfico no Pará, Leonardo Costa Araújo. Leo 41, como era chamado, foi um dos 13 mortos em operação no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, na Região Metropolitana. Do total, ao menos 7 eram do Pará.
Léo 41: colar com a bandeira do Pará e seu apelido no mundo do crime
Reprodução/Redes sociais
Segundo apurou o g1, eles não só se protegiam no RJ – em favelas protegidas por centenas de barricadas e de alta complexidade para atuação das forças de segurança. Chefes de facções de fora do estado também têm usado a Região Metropolitana para fortalecer seus negócios.
De favelas cariocas, Leo 41, por exemplo, passou a comandar um plano de expansão da organização criminosa no Norte e Nordeste. Além disso, sua quadrilha atua no Rio, inclusive em roubos como o da joalheria do Village Mall, que terminou com um funcionário do shopping assassinado.
Segundo investigadores, hoje estão pelo Rio pelo menos 150 bandidos só do Pará, espalhados por comunidades.
Lista extensa de chefes no RJ
Em janeiro deste ano, outros dois chefes do tráfico da mesma facção em Minas Gerais e no Ceará foram presos no Rio. Messias Tales de Souza Izídio, do Ceará, estava foragido na Rocinha, na Zona Sul. Ele aproveitava a praia em São Conrado, quando foi capturado.
Outros dois foragidos do Ceará, com extensas fichas criminais, foram mortos durante troca de tiros com policiais civis em abril de 2021 no Complexo do Salgueiro. José Erasmo de Sousa Filho de 31 anos, o “Bigode”, era investigado por tráfico de drogas e por integrar organização criminosa. Carlos Menezes Bezerra de 40 anos, o “Carlinhos”, respondia por homicídios, roubo, tráfico de drogas, porte ilegal de arma de fogo, furto e associação criminosa.
Chefe do tráfico em Minas Gerais condenado a 134 anos de prisão por tráfico e lavagem de dinheiro, João Felipe Alves foi preso na casa onde estava morando em Cordovil, na Zona Norte.
Chefe da facção criminosa na Paraíba, Eduardo Ferreira dos Santos, o Dudu da Morte, foi morto em ação da polícia na segunda-feira (20) no estado nordestino. O bandido costumava viajar com frequência para o Rio para participar de uma espécie de treinamento.
Em seu último retorno à Paraíba, assumiu o posto de representante – em território paraibano – da facção carioca. Dudu era apontado como responsável por vários assassinatos ocorridos em janeiro deste ano em João Pessoa, durante guerras entre facções.
Em julho de 2022, um dos chefes do tráfico em Alagoas, Rafael Correia de Melo, o Fafá, foi um dos 18 mortos numa operação policial no Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio.
Em junho de 2021, o chefe da facção do Amazonas, Marcelo da Silva Nunes, o Jogador, foi preso na Vila Cruzeiro, no Complexo da Penha, na Zona Norte, onde estava escondido. Jogador foi o principal articulador de ataques criminosos ocorridos em sete cidades amazonenses.
Junto com ele, a polícia prendeu Pedro da Silva de Carvalho, o Pedrinho, também do Amazonas, e mais quatro traficantes do Pará.
No mesmo ano, foi preso na Rocinha um chefe de Sergipe conhecido como Sapão. Ele estava escondido na favela havia ao menos seis meses e dizia, em vídeos, que “não teria como ser pego” no Rio.
Uma liderança de facção paulista, conhecido como Cigano, foi preso em 11 de maio de 2020, em Parada de Lucas, na Zona Norte. O paulista estava muito próximo do Peixão, traficante que comanda toda a região do Complexo de Israel.
‘Agência reguladora do crime’, diz especialista
A professora Jacqueline Muniz, especialista em segurança pública e professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), avalia que a movimentação de criminosos para áreas controladas por uma mesma facção no Brasil é “previsível”.
“Nós assistimos a uma dinâmica dos grupos criminais se expandindo por todo o país. Estamos falando de uma economia política do crime, que é itinerante. O Rio de Janeiro tem funcionado como uma agência reguladora do crime. Aqui, os grupos criminais se tornaram governos autônomos criminais: controlam a população e determinam políticas”, avalia.
O antropólogo Paulo Storani, especialista em segurança pública, crê que o Rio se tornou uma espécia de fortaleza para os criminosos.
“Assim como o cidadão busca viver em condomínios fechados para se sentir mais seguro, o criminoso de outros estados está fazendo do Rio o seu condomínio fechado”, disse o antropólogo.
O antropólogo cita que a “sensação de segurança” de traficantes de outros estados no Rio tem influência da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, sancionada pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), em 2020.
A ADPF restringe a realização de operações policiais no Rio de Janeiro o que, segundo Storani, atrapalha o combate a criminosos. Entre as obrigações legais para a realização de incursões em favelas impostas, está a necessidade de comunicação ao Ministério Público, com antecedência ou até 24 horas após a ação.

25/03/2023 07:00

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