Com muito suor e persistência, ex-boia-fria de Sertãozinho (SP) conquistou seu lugar e provou para uma geração que o lugar de mulher é onde ela quiser, inclusive nas provas de atletismo. ‘Nossas Mulheres’: relembre a trajetória de vitória da corredora Maria Zeferina
Da corrida com os pés descalços em meio ao canavial para um percurso com tênis em pista oficial. De boia-fria a atleta profissional. A história da corredora Maria Zeferina Rodrigues Baldaia, que foi criada em Sertãozinho (SP), é cheia de obstáculos, superações e fé.
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Nesta quarta-feira (8), Dia Internacional da Mulher, o EPTV1 iniciou a série de reportagens ‘Nossas Mulheres’. Ao longo de março, serão exibidas histórias de superação, empreendedorismo e de mulheres que fizeram a diferença em suas áreas de atuação. (confira o vídeo acima).
‘Lugar de mulher é onde ela quiser’
Com muito suor e persistência, ao longo dos anos ela conquistou seu lugar e provou para uma geração que o lugar de mulher é onde ela quiser, inclusive participando de provas de atletismo, esporte que era majoritariamente masculino.
“Nunca desista dos seus sonhos por mais difícil que seja. Com os obstáculos a gente tem que lutar cada vez mais. Chega desse tabu que lugar de mulher é no fogão, é em casa, cuidando dos filhos. É fundamental a gente olhar pra dentro da gente, nos unirmos mais e correr atrás dos nossos sonhos, dos nossos objetivos. Hoje você vê mulher pilotando avião, mulheres em várias áreas que antigamente era só pra homem. Então hoje eu falo de boa cheia, lugar de mulher é onde ela quiser”, declarou a atleta.
Dia da Mulher: série especial da EPTV conta história da atleta Maria Zeferina
Ely Venâncio/EPTV
Dos canaviais para as pistas de corrida
Maria Zeferina é natural de Nova Módica (MG), mas veio para o interior paulista com apenas três anos de idade.
Sem creches ou projetos infantis, a mãe da corredora a levava para o canavial, onde trabalhava como cortadora de cana.
“Tinha época que os empreiteiros deixava levar os filhos, então eu levava toda a molecada: são cinco pequenos, eu levava todos pro canavial. Aí, ali mesmo no canavial, ela corria. Ficou trabalhando e correndo”, relembrou a mãe da atleta, Domingas Rodrigues Rosa.
Dia da Mulher: série especial da EPTV conta história da atleta Maria Zeferina
Ely Venâncio/EPTV
“Trabalhando e correndo. Ia buscar água no caminhão para servir para os meus pais, para os outros companheiros que estavam ali, aí era, eles me chamavam de bombeira, porque eu era ligeira, aí eu ia lá, enchia o garrafão no caminhão e vinha correndo e servia pro pessoal”, contou Maria.
Perto de completar nove anos, um amigo da família que trabalhava na prefeitura viu a pequena Maria correndo pelo canavial e incentivou que ela participasse de corridas na região. Foi nesse momento que a brincadeira de criança, ganhou o ar profissional e menina passou a acumular troféus e medalhas.
Dia da Mulher: série especial da EPTV conta história da atleta Maria Zeferina
Reprodução/EPTV
Superando preconceitos
Antes de se dedicar exclusivamente ao esporte, Maria trabalhou como doméstica, ajudante geral e boia-fria. Apesar de provar ser uma das melhores no atletismo, ela enfrentou preconceitos.
“Ver uma mulher correr, o preconceito era muito grande. Eu trabalhava o dia inteiro e, quando eu saía para correr, às 18h, eu ainda escutava ‘vai trabalhar’, ‘lugar de mulher é no fogão’, ‘lugar de mulher é na pia’, ‘lugar de mulher é cuidando dos filhos’, ‘isso não é coisa para mulher’, mas eu não me preocupava, eu pensava assim ‘um dia eu vou conseguir realizar o meu sonho’. Então, eu não dava ouvido àquilo que as pessoas falavam. Eu fui quebrando esse tabu, essa barreira com as corridas, com as competições, com os treinamentos. Não foi fácil, foi muito difícil”, desabafou.
Dia da Mulher: série especial da EPTV conta história da atleta Maria Zeferina
Reprodução/EPTV
Por conta da situação financeira, Maria não tinha condições de comprar um par de tênis e treinou e correu descalça por 15 anos. Ela contou que a paixão de vencer na vida e poder participar da São Silvestre era tão grande, que ela engolia a dor e enfrentava chuva, sol, caco de vidro, asfalto quente e percurso de terra.
Quando fez sua primeira prova de tênis, foi com o calçado emprestado do treinador. “Só que aí eu tirei o tênis no meio da corrida, porque eu não era acostumada, aí eu tirei o tênis e cheguei descalça. Sei que demorou um tempo, alguns anos, para eu me adaptar a correr de tênis. Saía para treinar com o tênis, tirava o tênis. Saía para competição, largava de tênis e chegava sem tênis. E aí alguns anos eu fui adaptando, acostumando a correr de tênis”.
Pilha de troféus e medalhas
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Ely Venâncio/EPTV
Em mais de 30 anos de carreira, Maria Zeferina disputou diversas competições nacionais e internacionais.
Dentre as principais competições, a mais especial foi a São Silvestre de 2001, a qual chegou na primeira colocação, tornando-se a terceira atleta brasileira a vencer a corrida.
Dia da Mulher: série especial da EPTV conta história da atleta Maria Zeferina
Reprodução/EPTV
No mesmo ano ela também venceu a Volta Internacional da Pampulha, em Belo Horizonte e, em 2002, venceu a Corrida de Reis de Cuiabá e a Maratona Internacional de São Paulo. Seis anos depois, em 2008, ela venceu a Extra Milano, Meia Maratona do Rio de Janeiro e voltou a subir no pódio da Maratona Internacional de São Paulo.
Questionada sobre qual o prêmio especial, ela alega que não tem como escolher. “Cada um tem uma história para contar. Mas eu tenho esse aqui da Maratona Internacional de Curitiba como carro-chefe, porque foi onde eu saí lá trás, venci, bati o recorde, e a partir daí eu consegui meu primeiro patrocinador”, relembrou.
Centro olímpico
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Ely Venâncio/EPTV
Depois de ganhar a São Silvestre, o prefeito de Sertãozinho da época disse que ela podia fazer qualquer pedido, depois de ter levado o nome da cidade.
Humilde, ela pediu que a prefeitura passasse um trator em 400 metros de algum canavial para que a nova geração não precisasse passar por tudo que ela passou. Porém, surpreendendo, a administração municipal criou um Centro Olímpico com o nome da atleta.
“Esse é meu maior troféu porque eu ia treinar em Ribeirão Preto. Durante a minha carreira eu ia a vida toda, três, quatro vezes por semana, para Ribeirão. E, graças a Deus, hoje temos aqui o Centro Olímpico, com pista oficial de 400 metros. Poder ver essa nova geração, essas crianças, jovens, fazer o que eu ainda faço, em vida, não tem dinheiro que pague”, comemorou.
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