Mortes em ações policiais no estado subiram de 31 para 37 em janeiro de 2023 quando comparado ao mesmo mês do ano anterior. Mortalidade policial caiu pela metade, sendo que nenhum foi vítima na folga. Governo alega que apenas mortes cometidas em serviço devem ser consideradas, diferentemente do que ocorreu nos últimos anos. Dois suspeitos morreram em ação da Rota na Rua da Consolação, em 12 de janeiro
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O número de pessoas mortas pelas polícias no estado de São Paulo aumentou quase 20% no primeiro mês da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) em relação ao mesmo período de 2022. Os dados estão no Diário Oficial do Estado de São Paulo.
Os registros indicam que 37 pessoas foram mortas por policiais em janeiro de 2023, o que representa aumento de 19,3% em comparação com as 31 mortes ocorridas no mesmo período do ano passado.
Um dos casos ocorreu na Rua da Consolação, em 12 de janeiro, quando dois suspeitos foram mortos por policiais da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar).
As mortes praticadas por policiais militares fora de serviço elevaram a letalidade em janeiro. Em 2022, três pessoas morreram em confrontos com PMs de folga, e 13 foram mortos em janeiro deste ano. Na folga, os policiais não precisam usar as câmeras que usam nas fardas quando estão em serviço.
“O controle do uso da força do policial fora do serviço também é uma responsabilidade da Secretaria da Segurança Pública, assim como a vitimização do policial fora de serviço”, diz. “Não dá para a Secretaria da Segurança Pública lavar as mãos e se isentar do que está acontecendo no horário de folga”, diz Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública,
Para o presidente do Fórum, Renato Sérgio de Lima ainda é cedo para dizer se o aumento registrado em janeiro é uma tendência a ser mantida ou não.
“Eles são bem preocupantes pois, na prática, interrompem um ciclo de redução que vinha desde 2020 e que ajudou a mudar a imagem da polícia paulista”, afirma o especialista.
Dados divulgados em 2022 captam a introdução das câmeras corporais nos uniformes da PM. Estudo da Fundação Getúlio Vargas indica que a iniciativa evitou 104 mortes entre julho de 2021 e julho de 2022.
O ano de 2021 terminou como o de menor letalidade policial em São Paulo desde 2017: 570 mortes, frente as 941 ocorridas cinco anos antes.
Segundo Lima, um ponto a se analisar é o poder do discurso das lideranças para a tropa. Enquanto candidato, Tarcísio de Freitas chegou a dizer que retiraria as câmeras dos uniformes dos PMs, mas recuou após assumir o cargo.
“Quando há incentivo, os confrontos tendem a crescer. Tarcísio precisa deixar claro que, mesmo em folga, policiais não estão autorizados a fazer justiça a qualquer preço”, diz o presidente do FBSP.
Pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP (Universidade de São Paulo), o Nev, Bruno Paes Manso considera que os dados registrados em janeiro são um “sinal amarelo” para possíveis dribles a medidas para diminuir a letalidade policial.
“Temos que ficar atentos e prestar atenção em eventuais formas de escapar da regulamentação. A própria instituição do revólver para simular um tiroteio, de dizer que se teve uma resistência seguida de morte decorrente de intervenção policial. Tem histórico grande. Mesmo quando se tenta controlar, há novas formas de burlar”, diz Paes Manso, ao se referir às câmeras corporais.
O especialista relembra quando o então secretário de segurança Fernando Grella, na década passada, proibiu que policiais socorressem suspeitos feridos. “Quando o Grella estabeleceu a proibição de levar corpos em viaturas, logo se muda os homicídios, eles caíram e depois voltaram a crescer. É como se essa cultura de violência encontrasse formas de resistir”, afirma.
Segundo o pesquisador, a escolha do capitão da PM Guilherme Derrite como secretário da Segurança gerou preocupação de possível aumento na letalidade policial por quebrar uma sequência de décadas com secretários sem ligação direta com as polícias Civil ou Militar. Neste momento, afirma que não há correlação com os dados de janeiro.
“[O secretário] Já foi da Rota, deu declaração de que um policial deveria ter três mortes de pessoas no mínimo senão não era linha de frente foi muito preocupante quando escolhido. Por ser tão preocupante, eles [Derrite e Tarcísio] chegaram com mais cuidado. O desastre que se imaginava talvez não aconteça na mesma velocidade. Me parece que eles foram mais cuidadosos do que na época da campanha”, diz o integrante do Nev.
Policiais morreram menos em folga
Os comandos que tiveram aumento nas mortes causadas por PMs em folga são o da capital (de 2 para 6 mortes), Grande São Paulo (de nenhuma para 2) e a Tropa de Choque (de nenhuma para 2). As áreas de Campinas, São José do Rio Preto e Baixada Santista registraram uma morte cada.
Enquanto em um ano os casos de morte de pessoas envolvendo PMs de folga subiram, a mortalidade dos policiais diminuiu no período: foram duas mortes em 2022 contra nenhuma em 2023.
Também houve queda pela metade nas mortes de policiais em geral — quando incluídos os militares em serviço e os registros de policiais civis: de quatro vítimas em 2022 para duas neste ano.
Critério para analisar os dados
Letalidade policial
A Secretaria da Segurança Pública (SSP) do governo Tarcísio, administrada pelo ex-capitão da PM Guilherme Derrite, alega que somente as mortes em serviço devem ser consideradas para o índice de letalidade (leia o posicionamento na íntegra ao fim da reportagem).
De acordo com a pasta, houve queda de 15% na letalidade policial: foram 27 mortes registradas em janeiro de 2022 (sendo 23 cometidas por PMs em serviço e 4 por policiais civis em serviço) contra 23 no mês deste ano (23 mortes por PMs em serviço, nenhuma por policiais civis no horário de trabalho).
“É equivocado equiparar confrontos entre agressores e policiais em serviço, momento em que estão atuando para proteger a população, com situações em que estão de folga. São realidades absolutamente distintas”, argumenta a SSP.
O argumento é questionado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Segundo a diretora-executiva Samira Bueno, os dados de letalidade policial são definidos por meio da soma das mortes ocorridas em serviço e as ocorridas em folga. Caso contrário, morte provocada por PMs fora do serviço deveria “ser classificado como homicídio doloso”.
Samira afirma que ao enquadrar uma morte cometida por um policial em sua folga como MDIP (nome técnico que significa Morte Decorrente de Intervenção Policial), a SSP assume de forma automática que o crime foi cometido com excludente de ilicitude.
“Isso sempre foi uma batalha nossa com a Secretaria da Segurança: por que o policial que mata de folga, o registro assumiu o excludente de ilicitude automaticamente como regra?”, questiona. “Então, não existe isso de considerar apenas em serviço. O policial matou, colocaram como morte por intervenção policial, isso precisa ser considerado”, diz a especialista.
O g1 questionou quando a Secretaria da Segurança Pública passou a considerar apenas mortes em serviço para o balanço de letalidade policial e se as mortes de policiais em folga são levadas em consideração para a vitimização policial e aguarda resposta.
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Leia a íntegra do posicionamento da SSP:
A Secretaria da Segurança Pública informa que as mortes decorrentes de intervenção policial em serviço reduziram 15% no mês de janeiro de 2023 em relação ao mesmo mês em 2022. Foram 23 casos contra 27. É equivocado equiparar confrontos entre agressores e policiais em serviço, momento em que estão atuando para proteger a população, com situações em que estão de folga. São realidades absolutamente distintas.
Todas as mortes decorrentes de intervenção policial são apuradas pela Polícia Civil e por uma divisão especializada da Corregedoria da PM, a “Divisão de PM Vítima”, responsável por acompanhar e atuar para o esclarecimento dos crimes contra os policiais. Os agentes que se envolvem nessas ocorrências passam pelo Programa de Acompanhamento e Apoio ao Policial Militar (PAAPM) e pela aprovação de uma comissão de mitigação de riscos, programa institucional voltado à identificação de não conformidades técnico-operacionais. A pasta reitera seu compromisso com a segurança da população e com a transparência das informações. Todos os dados referentes à atuação policial estão disponíveis para consulta pública e podem ser acessados por meio do portal da Transparência.