A cearense e a argentina erradicada no Ceará são símbolos contra a violência de gênero no Brasil. Os nomes de Maria da Penha e Lola Aronovich batizaram leis que combatem crimes dentro e fora da internet
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Maria da Penha Maia Fernandes e Dolores Aronovich Aguero ou, simplesmente, Maria da Penha e Lola. Os nomes da farmacêutica e da professora universitária se expandiram para além dos documentos próprios, e batizaram leis que combatem a violência contra as mulheres. Nesta quarta-feira, 8 de março, Dia Internacional da Mulher, o g1 relembra as legislações nomeadas a partir da cearense e da argentina erradicada no Ceará.
A primeira lei tem quase 17 anos de atuação, enquanto a segunda se aproxima dos cinco anos; uma combate as formas de violência doméstica, enquanto a outra se dedica aos crimes de misoginia na internet. Apesar das especificidades, ambas partilham algo em comum: o pioneirismo.
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A Lei Maria da Penha foi, inclusive, considerada pela Organização das Nações Unidas (Onu) como uma das três melhores legislações do mundo no enfrentamento à violência contra as mulheres. Já a Lei Lola marcou por ser a primeira vez que o termo “misoginia” — aversão às mulheres — apareceu na legislação do Brasil.
A professora da UFC, inclusive, denunciou ter sofrido ameaças de morte e estupro recentemente por e-mail. Segundo Lola Aronovich, as mensagens recebidas contêm seus dados pessoais como documentos e endereço.
Maria da Penha
Cearense Maria da Penha, que batizou lei contra a violência às mulheres.
Pedro Alves/G1
Maria da Penha Maia Fernandes nasceu em Fortaleza e formou-se na Faculdade de Farmácia e Bioquímica da Universidade Federal do Ceará (UFC), em 1966. No ano de 1983, ela foi vítima de dupla tentativa de feminicídio pelo marido, pai de suas duas filhas, e ficou paraplégica após receber um tiro na coluna.
Após acionar o poder judiciário cearense, Maria da Penha conseguiu assegurar a sua luta por justiça em 7 de agosto de 2006, quando foi sancionada a lei contra as violações aos direitos humanos das mulheres.
Após quase duas décadas, os números de registros enquadrados na lei seguem alarmantes no Ceará. No comparativo entre os meses de janeiro de 2022 e janeiro de 2023, a quantidade de mulheres vítimas de violência doméstica no Ceará subiu de 1.389 para 1.921, segundo dados da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará.
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“A lei está na boca do povo, a lei que leva o meu nome. É importante que as mulheres saibam e que não seja só de faz de conta. O que me envaidece é saber que ela está sendo útil a todas as mulheres do meu país. Foi um avanço, mas não pode ficar só no papel. A violência psicológica está no código penal, mas não podemos descansar. É preciso o compromisso dos gestores públicos para fortalecer a lei e conscientizar sobre sua importância na sociedade”, disse Maria da Penha, em entrevista ao g1, à época em que a lei fez 15 anos.
“O movimento de mulheres é mais expressivo e as famílias, de uma maneira geral, se sentem mais seguras com os avanços que a lei trouxe. Então eu acho que o trabalho que foi realizado durante esses 15 anos está atendendo aos seus objetivos, de conscientizar as pessoas sobre a lei e sobre a importância de a mulher ser respeitada”, comentou a cearense.
Lei Lola
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Arquivo pessoal
Dolores Aronovich Aguero é professora do Departamento de Estudos da Língua Inglesa, suas Literaturas e Tradução da Universidade Federal do Ceará e blogueira feminista — da página “Escreva, Lola, Escreva”. A lei aprovada em 2018 foi criada pela deputada federal Luizianne Lins (PT-CE), após Lola denunciar diversos casos de ameaças — contra ela e familiares — e ataques cibernéticos que sofria em fóruns anônimos online.
“É a primeira vez que o termo misoginia aparece numa lei brasileira. Acho isso muito importante. O fato da lei ter sido aprovada em tempo recorde no Congresso mostra que havia uma demanda para uma lei que atribui à Polícia Federal a investigação de crimes contra mulheres na internet. Se os ataques e ameaças às meninas e mulheres são tão frequentes, os meios de denúncia devem ser simples, rápidos e eficientes”, disse a professora universitária.
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Contudo, Lola tem ressalvas quanto ao modo como a lei tem sido aplicada desde a aprovação. Ela pontuou desinteresse de governos federais anteriores quanto à prática da legislação.
“Assim que a lei foi aprovada, a autora do projeto, quis marcar uma reunião com o diretor da PF para que pudéssemos discutir detalhes fundamentais. Por exemplo, em que casos uma mulher deve denunciar? Como ela faz isso? Pode ser online? O que ela precisa coletar para ajudar a polícia? Como serão as investigações e de quanto seria a pena, visto que misoginia ainda não é criminalizada no Brasil?”, questionou a professora.
“Agora que novamente temos um governo progressista, estamos mais esperançosas. A deputada já enviou um ofício para o ministro da Justiça Flávio Dino retomando a implantação efetiva da Lei Lola”, disse. O g1 entrou em contato com a Polícia Federal para obter dados relativos à Lei Lola no Ceará, mas não recebeu resposta até a publicação desta reportagem.
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