Judiciário ainda é ‘impermeável’ à igualdade de gênero, diz Cármen Lúcia

Mesmo tendo chegado à mais alta corte do país, ministra revela ter dificuldade para falar no Supremo apenas pelo fato de ser mulher. Em entrevista à GloboNews, Cármen Lúcia falou sobre a subrepresentação das mulheres na carreira jurídica.
Ministra Cármen Lúcia, do STF, em imagem de arquivo
Carlos Moura/SCO/STF
Dona de longa carreira jurídica, fluente em cinco idiomas, autora de extensa produção intelectual, segunda mulher a integrar o Supremo Tribunal Federal (STF) e primeira a presidir o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Mesmo tendo chegado à mais alta corte do Brasil, Cármen Lúcia revela ter dificuldade para falar no Supremo apenas pelo fato de ser mulher.
Segundo a ministra, quanto à igualdade de gênero, o Judiciário ainda é “impermeável”.
“É preciso que nós mulheres estejamos em movimento permanente. Não é só o movimento de mulheres, é mulheres em movimento. É este movimento que faz com que os homens também percebam que é realmente algo sofrível para uma mulher quando você é destratada, desvalorizada pela sua condição de mulher”, diz a magistrada.
LEIA TAMBÉM:
CRIMES CONTRA MULHERES: Operação prende 135 pessoas suspeitas no DF; entre presos, está homem que agredia ex há 20 anos
‘HÁ DIVERSOS SETORES NA SOCIEDADE QUE NÃO NOS RECONHECEM COMO MULHER’, diz Duda Salabert, uma das primeiras transexuais a ocupar uma cadeira no Congresso
As declarações foram feitas durante entrevista à GloboNews, na terça-feira (7), véspera do Dia Internacional da Mulher (assista à íntegra mais abaixo). Segundo Cármen Lúcia, à exceção da justiça trabalhista, em todos os ramos do judiciário há uma presença muito pequena de mulheres, especialmente em cargos de maior representatividade.
“Isto mostra bem que a comunidade jurídica, em geral, continua sendo muito impermeável ou dificilmente permeável para a igualdade”, diz Cármen Lúcia.
Natural de Montes Claros, em Minas Gerais, Cármen Lúcia Antunes Rocha é formada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG). É mestre em direito constitucional pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e doutora em direito de estado pela Universidade de São Paulo (USP).
Só no STF, Cármen Lúcia tem 17 anos de experiência. Antes de ser indicada à Suprema Corte, em 2006, foi advogada, procuradora-geral do estado de Minas Gerais e professora, função que exerce até hoje na universidade em que se formou.
A magistrada defende o ingresso de mais mulheres no Judiciário.
“Sem o olhar da mulher na análise, na interpretação, na aplicação das normas, você tem sempre o mesmo viés”, diz.
‘Enquanto a sociedade não cobra, não há resposta’
Cármen Lúcia: Judiciário ainda é impermeável à igualdade
Cármen Lúcia nunca se casou, tampouco teve filhos. Mas ela diz que, quando uma juíza federal, por exemplo, é promovida e transferida para outro estado, é preciso se programar e averiguar com cuidado a viabilidade do processo. Pois, na maioria dos casos, além da carreira, a mulher tem outros olhares de atenção, como casa e família. Se um homem é promovido, por outro lado, sua única preocupação é em comemorar, salvo exceções.
“Eu acho que isso depende de uma grande transformação, não é uma mudança simples, mas da política brasileira, que representa a sociedade brasileira. E, neste sentido, é realmente uma questão que eu chamo de educação, cidadania plena, participativa. Enquanto a sociedade não cobra isso, não há uma resposta, e fica tudo como estava antes”, diz a ministra do STF.
Para Cármen Lúcia, é dever do judiciário se debruçar sobre temas alarmantes do país, como a violência doméstica. Por esse motivo, ela reforça a importância da presença feminina em tribunais. “Este sofrimento tem que ser entendido por homens e por mulheres”, diz.
‘Discurso de ódio contra a mulher é diferente de discurso contra o homem’
Segundo a ministra, muito se ouviu sobre discursos de ódio, sobretudo em 2022, ano de eleições. Ela pontua, no entanto, que a agressividade das palavras muda conforme para quem são direcionadas.
“Estamos vendo e discutindo sobre isso permanentemente, as consequências que isso gera. Mas não se fala em geral, no Brasil, que o discurso de ódio contra a mulher é diferente do discurso de ódio contra o homem. A nossa desqualificação é sexual, moral, familiar, social, é muito mais intensa, como se fosse uma tentativa de mutilar e de aniquilar uma mulher”, afirma Cármen Lúcia.
Ela também pontua que a violência política e a que se observa, também, no judiciário, são reflexo das agressões que vivem, todos os dias, mulheres de todo o Brasil.
“Até muitíssimo pouco tempo na história do Brasil, a gente escutava ‘em briga de marido e mulher, não se mete a colher’, e todo mundo respeitava como se fosse um dogma da sociedade em que a mulher é uma propriedade do homem”, diz a magistada.
“Nós estamos em um país em que há essa estrutura machista, na qual as mulheres foram invisibilizadas historicamente. Essa luta é uma luta contínua e que ainda tem muito de atualidade, no sentido de chegar a, pelo menos, critérios mais objetivos para a gente superar essa enorme desigualdade”, diz a ministra.
Leia mais notícias da região em g1 DF.

08/03/2023 22:43

Nenhuma visita