Empreendedoras baianas unem afeto, memória e ancestralidade para mudar rumo de profissões: ‘vivendo dentro do meu propósito’

Neste Dia Internacional da Mulher, o g1 traz histórias de três mulheres, duas delas baianas e uma paraense, que foram em busca da realização profissional investindo no próprio negócio. Luciana Kroger, Carol Souza e Solange Gomes são empreendedoras na BA que uniram afeto, memória e ancestralidade para mudar rumo de profissões
Lílian Marques/TV Bahia/ Arquivo Pessoal/Arquivo Pessoal
Memória, afeto e ancestralidade são alguns dos ingredientes indispensáveis na receita do sucesso de três empreendedoras na Bahia, que revelam ter encontrado a realização no trabalho e na vida pessoal após mudanças no caminho profissional. Nesta quarta-feira (8), Dia Internacional da Mulher, o g1 traz histórias dessas mulheres, duas delas baianas e uma paraense, mas que se considera baiana de coração.
Força, coragem e trabalho não faltaram para a chef Solange Borges, de 60 anos; para a dona de um bar de vinhos, Carol Souza, de 41 anos, e para a capitã de canoa havaiana que comanda um clube de remo, Luciana Kroger, de 46 anos.
Luciana Kroger, capitã de canoa havaiana, comanda o Clube Imua – Vida Leve, em Salvador
Lílian Marques/TV Bahia
Das profissões iniciais que escolheram, retiraram o que precisam para seguir em frente e mudaram o trajeto no meio do caminho. Luciana, por exemplo, é formada em Comunicação Social, já produziu comidas fit e até administrou um hortifruti. Ela nasceu no Pará e com meses de vida veio para a Bahia, de onde não saiu mais.
Sommelier e empresária baiana Carol Souza
Arquivo Pessoal
Carol, também formada na área de comunicação, trabalhou no setor executivo de diversas multinacionais e empresas de grande porte, mas se encontrou no bar de vinhos orgânicos que decidiu montar com uma amiga. Atualmente ela segue sozinha no comando do empreendimento.
Solange Gomes, chef de cozinha que comanda o Culinária de Terreiro
Arquivo Pessoal
Já Solange, vendia acarajé com a mãe. A tradição familiar, passada ainda na infância, foi mantida e aprimorada. Hoje, Sol, com é carinhosamente chamada, ensina os quitutes para quem gosta de comida com dendê. Além disso, leva conhecimento com a mistura de receitas e histórias da religião de matriz africana para aqueles que valorizam a ancestralidade.
Mar, memória e superação
Os desafios foram muitos, mas essas empreendedoras deixaram mais que evidente a capacidade de inovar e seguir adiante. O clube de remo “Imua – Vida Leve”, criado por Luciana Kroger em 2021, na praia da Preguiça, em Salvador, é, além de fonte de renda, uma forma de ressignificar situações da vida. No ano anterior ao surgimento do clube, em agosto de 2020, Luciana perdeu o marido para a leucemia.
“O grande aprendizado é seguir o fluxo, assim como as marés, a cheia, a que traz, a que leva, é o fluxo da vida, temos que entender. Não pode desabar. Aprendi a entender que tem coisa que não tem como a gente mudar. A evolução vem a partir dos momentos que a gente sofre, uma coisa se quebra para a gente construir em outro lugar”, diz Luciana.
Antes mesmo do clube, Luciana já ensaiava os primeiros passos no mundo do empreendedorismo. Após perder o emprego na área de comunicação em 2014, ela decidiu vender comidas “fit”. Algo que deu certo por um tempo, mas que ela encerrou durante a pandemia da Covid-19.
Canoa havaiana Braz, é da capitã de canoa havaiana Luciana Kroger e faz parte do Clube Imua – Vida Leve na Bahia
Lílian Marques/TV Bahia
Com o marido em tratamento para leucemia, Luciana precisou assumir o hortifruti do companheiro e assim continuou, mesmo após a morte do parceiro. No entanto, no decorrer dos meses, não sentia-se bem em continuar com o negócio.
“Eu precisava fechar [o hortifruti] porque tudo me lembrava ele, tudo que eu sabia sobre aquilo foi ele quem me ensinou. Estava muito difícil para mim naquele momento. A canoa foi o que me tirou de casa. Eu remava em um clube e alguns amigos começaram a pedir pra remar comigo”, relembra.
A primeira canoa do clube foi intitulada Braz, sobrenome do parceiro de Luciana. A homenagem para ela foi uma forma de agradecer todo incentivo que recebeu do marido em vida.
“Pedro [o marido] dizia que eu era entusiasmada, que as pessoas gostam e vão atrás disso. Ele dizia que eu tinha que ter meu clube, que me fazia vibrar. Cada vez que eu sinto isso eu também estou trazendo memória positiva para mim. Eu vivo hoje depois de um ano do luto. Hoje eu estou vivendo dentro do meu propósito”, conta.
Ancestralidade que move
Solange Gomes no fogão de lenha da cozinha do terreiro, em Camaçari
Divulgação/Trevo Fotoclube
Dona de um sorriso que abraça, Solange Borges seguiu a profissão da mãe, baiana de acarajé. Ela se aperfeiçoou no Senac, é graduada em Letras e tem um curso de extensão em fitoterapia.
Em 1988, aos 25 anos, ela passou em um concurso público e atuava como recepcionista. Nos dias de folga, cozinhava.
“Eu fazia comida toda sexta na minha casa. Foi algo muito positivo e toda semana aumentava. Fui inventando coisa”, brinca.
Com dois filhos, Sol se dividia entre o serviço público, a cozinha e a religião: o candomblé. Em 2017, iniciou, gradativamente, a vivência no terreiro de candomblé Unzo N’ganga, comandado pela filha dela, com as pessoas – incluindo os não candomblecistas – cozinhando no local.
“O Culinária de Terreiro veio como inspiração para o resgate de uma culinária ancestral e da memória afetiva”, conta.
Terreiro de camdomblé Unzo N’ganga, em Camaçari, onde a filha de Solange Gomes é a Mãe de Santo
Arquivo Pessoal
Antes mesmo da abertura do terreiro Unzo N’ganga ao público, em 2014, a filha de Solange tornou-se Mãe de Santo e ela decidiu dividir com a filha uma opinião.
“Eu disse para minha filha: ‘Quando passamos por outros templos religiosos as portas estão sempre abertas, nós deveríamos abrir o terreiro também'”, relembra.
Foi então que Sol decidiu abrir os portões do terreiro e levar as pessoas para cozinhar no espaço, localizado em Camaçari, na Região Metropolitana de Salvador.
“Chamei meus amigos, fiz acarajé com caruru. Minha filha tinha o interesse de abrir um terreiro então a gente fez essa abertura para as pessoas adentrarem o terreiro. Eu fiquei impressionada porque achei que as pessoas não queriam saber o que era culinária de terreiro”, conta.
Cozinhando e mantendo o projeto “Culinária de Terreiro”, Sol fortaleceu o negócio durante a pandemia, em 2020. Isso porque muitas pessoas pediam que ela disponibilizasse um curso online de culinária e assim ela fez.
Solange Gomes fazendo acarajé na cozinha do terreiro, em Camaçari
Arquivo Pessoal
No cardápio, o público pode aprender, além do acarajé, alguns pratos entre eles o caruru e o vatapá, além dos acompanhamentos como camarão seco, sobrecoxa de frango, milho com coco ralado, farofa de dendê, feijão fradinho e arroz.
Como também produz o dendê utilizado nas receitas, Sol possui uma loja virtual para comercialização do produto e precisou intensificar as vendas durante a pandemia.
Apesar do crescimento, ela reforça que o comércio em que atua não é uma forma apenas de ter renda, mas também uma maneira de manter viva sua história.
“Um povo sem história, sem cultura, não tem nada. Se a gente a não preservar, vamos ser engolidos. A Bahia é um território africano e é incrível. Sou uma mulher do dendê, tenho toda a honra a essa tradição, tenho muita felicidade e honra em fazer parte dessa profissão. Faço acarajé, levo para minhas aulas online e para minha família os saberes do fazer acarajé”, conta.
Lugar de descoberta
Terroir bar de vinhos fica no bairro do Rio Vermelho, em Salvador
Arquivo Pessoal
Assim como o “Culinária de Terreiro” de Sol, o empreendimento de Carol Souza tem relação com o paladar. A empresária, também somelier, é do dona do Terroir, um bar de vinhos focado em bebidas naturais, orgânicas e de vinícolas sustentáveis, tanto nacionais quanto internacionais.
“Eu faço toda análise de trazer vinhos diferentes a cada 15 dias, com uvas pouco conhecidas aqui em Salvador. São uvas de diversas nacionalidades, como da Grécia, aqui do Brasil, e de diversos lugares”, detalha.
Conforme conta Carol, esse é o primeiro bar de vinhos de Salvador e está localizado no bairro do Rio Vermelho.
“A Terroir é um lugar de descoberta sobre a imensidão do mundo dos vinhos, mas também representa a força que esse lugar tem de criar memórias, unir pessoas, formar novos bebedores de vinho já que aqui em Salvador, a cultura do vinho é muito pequena ainda”, conta.
Em um espaço compacto e acolhedor, o bar tem também algumas mesas na calçada e na praça em frente ao espaço.
Terroir é um bar de vinhos de Salvador, localizado no bairro boêmio do Rio Vermelho
Arquivo Pessoal
O Terroir ultrapassa os limites do bar e também é um local de oficinas para quem quer conhecer mais sobre os vinhos, além de aprender opções para bons acompanhamentos. Os interessados podem participar do curso onde Carol disponibiliza, durante uma noite, entre seis e oito rótulos para que os admiradores da bebida possam desfrutar do sabor e dos saberes.
Por trás do rótulos, muitas histórias, inclusive ligadas à ancestralidade. Negra, a sommelier fundou a Terroir Vinhos após notar a necessidade de mudança de vida.
Sommelier e empresária baiana Carol Souza
Arquivo Pessoal
Formada em jornalismo, mas há anos exercendo cargos executivos em empresas, ela conta que o trabalho não a agradava mais.
“Não era o meu sonho, sabe? Minha mudança profissional não foi fácil, mas eu hoje eu posso dizer que ela foi fundamental para a minha qualidade de vida. Antigamente eu trabalhava em indústria, acordava 4h20, muito cedo e chegava muito tarde. Então a gente se questiona: ‘como usufruir da vida, das coisas que gostamos, se não temos tempo?’. Hoje eu trabalho em frente à minha casa, faço o meu horário, que não é simples, mas com muita organização você consegue empreender e ter tempo definidos para você também”, conta.
Com o sonho do próprio negócio realizado, o próximo passo de Carol é tornar o vinho mais acessível.
“O meu trabalho aqui não é só vender vinhos, é proporcionar experiências com o vinho e tornar a bebida acessível, alcançar pessoas através dessa bebia para que elas vivam momentos únicos. A Terroir é esse lugar livre, onde todos os públicos podem vir, se sentir à vontade”, completa.
Sebrae Delas
Luciana , Solange e Carol fazem parte das mais de 30 milhões de empreendedoras brasileiras, segundo dados do Global Entrepreneurship Monitor (GEM) 2020, coletados com apoio do Sebrae e do Instituto Brasileiro de Qualidade e Produtividade (IBQP)
Para ajudar as mulheres que já possuem empresas, o Sebrae conta com o programa de aceleração Sebrae Delas, que tem como objetivo aumentar a probabilidade de sucesso de ideias e negócios liderados por mulheres.
“A gente começou a colocar uma lupa nesse recorte de gênero. O Sebrae está sensível a essa diferença que empreender. Existe uma particularidade no empreendedorismo fenminino pelo próprio contexto social, muitas mulheres precisam dividir a jornada entre trabalho e casa. Outras iniciam o negócio por necessidade, porque precisam do dinheiro para sobreviver”, explica Rosângela Gonçalves, gestora do Sebrae Delas na Bahia.
Rosângela Gonçalves, gestora do Sebrae Delas na Bahia
Arquivo Pessoal
O programa surgiu em 2019 no país e desde o ano passado, Rosangela Gonçalves está à frente da gestão estadual.
“De 2020 para 2022 a gente tem chegado mais nas mulheres. Estamos focadas nisso, levando mentorias, cursos, palestras e qualificações. Este ano estamos focando em empreendedoras que já tenham negócios”, conta.
Para quem quer começar o próprio negócio, Rosângela dá algumas dicas e reforça que é fundamental colocar as ideias no papel.
“É preciso planejamento, pensar: em que vou empreender? O que posso oferecer, qual será a minha proposta de mercado? E de valor? Quanto vou receber? E gastar? Quais são as minhas vitrines, locais de distribuição?”, diz Rosângela sobre questionamentos necessários para quem pensa em tirar o sonho do papel.
Para ela, primeiro é importante pensar na ideia de negócio, em seguida ir para o planejamento e por fim, executar.
“O empreendedorismo permeia, de forma geral, na economia do cuidado”, ressalta.
Com relação aos empreendimentos em que ela tem notado a maior presença das mulheres na Bahia, Rosângela destacou atividades ligadas à moda, varejo, estética, alimentação, saúde e bem-estar.
As empreendedoras que fazem parte do Sebrae Delas contam com seminários, oficinas, webinars, startup weekends, entre outros eventos online de acesso a contúdos, qualificação pessoal e profissional, além de conexão com pessoas e negócios, divulgando produtos e serviços.
As interessadas podem ter mais informações sobre o Sebrae Delas por meio do site, pelas redes sociais do Sebrae Bahia, além do número: 0800 570 0800.
FOTOS: veja imagens das empreendedoras na BA que foram em busca da realização profissional investindo no próprio negócio
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08/03/2023 07:00

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