Há dois meses, Anvisa proibiu uso dos produtos após relatos de sensação de queimaduras nos olhos e cegueira temporária. Prazo da investigação vai tem até maio, podendo ser prorrogado por mais três meses. Camila Freitas em salão de cabeleireiro
Fabio Tito/g1
Faz dois meses que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibiu a fabricação, comercialização e uso de pomadas modeladoras no Brasil.
A medida foi tomada após mais de 700 relatos de consumidores que afirmaram ter tido sensação de queimaduras nos olhos e cegueira temporária.
O g1 conversou com donas de salões especializados em penteados afro, que são os que mais utilizam o produto.
Elas relataram discriminação e prejuízos financeiros com o caso, pois alguns clientes têm desistido de fazer tranças.
Não há previsão de a Anvisa liberar as pomadas: o prazo para a investigação ser concluída vai até maio, podendo ser prorrogado por mais 90 dias.
Lojas desrespeitam restrição da avisa e continuam comercialização pomada modeladora.
Veja o que dizem as fabricantes
Camila Freitas, de 29 anos, dona de um salão para cabelos afro em São Paulo, decidiu usar gel cola, uma das alternativas à pomada (leia mais abaixo), para modelar os fios e finalizar a produção de penteados.
Mesmo assim, teve uma diminuição nos pedidos de tranças e penteados após o comunicado da Anvisa.
A empreendedora vê um descaso por parte da agência e entende que isso pode colocar em descrédito a profissão de trancista e estigmatizar os penteados afro.
“Estamos vivendo uma questão de racismo estrutural. O mercado de beleza, em especial o de cabelo crespo, é enorme, mas pouco valorizado no Brasil. O caso da pomada é um exemplo disso”, afirma.
Camila Freitas em salão de cabeleireiro fazendo tranças sem a pomada
Fábio Tito, g1
“A Anvisa precisa responsabilizar as fabricantes do produto, porque as pessoas estão achando que a culpa é nossa e estão deixando de fazer as tranças”, diz a cabeleireira.
Apesar de o uso da pomada não se limitar apenas às tranças, mas incluir também o acabamento em penteados para diversos tipos de cabelos, os problemas estão sendo associados a penteados afro.
Um exemplo do que pode ser visto como racismo estrutural, segundo Camila, aconteceu no começo do mês, quando a Anvisa informou que alguns representantes de empresas de pomadas associaram os casos de irritação ocular a uma suposta prática dos usuários “de não lavar os cabelos trançados por diversos dias”.
Essas e outras falas são comuns para quem usa e para quem faz tranças, diz a empresária.
A Anvisa ressalta, porém, que “não há alegações técnicas de que os eventos adversos graves estejam relacionados ao uso por pessoas negras, e mais especificamente à prática de trançar cabelos”.
Impacto financeiro
Para a pesquisadora de estética negra Luane Bento, a trança é uma tecnologia capilar ancestral e está sendo criminalizada por causa da pomada. Segundo ela, as questões podem ser ainda mais complexas, pois esse é um problema que afeta uma cadeia de pessoas, em especial pessoas negras.
“Muitas mulheres constroem a renda familiar com o dinheiro das tranças. Então, a partir do momento em que o número de pedidos [para esse tipo de penteado] diminui, você diminui também a renda das empreendedoras que vivem desse dinheiro, impactando diversas famílias”, afirma.
É o caso de Camila. No início da profissão, ela passou por julgamentos e preconceitos pela escolha de trabalho, pois atuava como trancista para conseguir dinheiro extra e estudar pedagogia.
Porém, depois se encontrou na área de cuidados de cabelo afro, que hoje é sua principal fonte de renda.
Regiane Dias, que tem um salão em Salvador, costuma fazer 30 penteados em um mês com um bom movimento. Mas, após a restrição da pomada, enfrenta uma diminuição de pedidos.
Em fevereiro, ela teve cinco cancelamentos. Com isso, sua renda mensal caiu R$ 1.000, segundo ela.
Agora, a empreendedora tem procurado aprender novas técnicas para atrair os consumidores e recuperar o dinheiro perdido. Mas, mesmo com experiência de quase oito anos no segmento, a empresária tem dificuldade para aplicar as técnicas de trança nagô e a trança única de rabo de cavalo com extensão sem a pomada.
Regiane com tranças nâgo
Reprodução
O g1 procurou uma especialista em penteados para dar dicas de como fazer tranças sem o produto recolhido, enquanto a Anvisa não conclui a investigação.
Welida Souza, que é cabeleireira há mais de 20 anos e já fez penteados para artistas como Taís Araújo, Anitta, Ivete Sangalo e Luísa Sonza, afirma que nunca dependeu da pomada para trabalhar.
Ela diz que prefere usar as técnicas que aprendeu antes de a pomada modeladora se popularizar no Brasil e compartilhou as dicas abaixo.
Como fazer tranças sem pomadas
Veja abaixo algumas dicas de Welida sobre técnicas e produtos que podem substituir o uso da pomada:
Blow out: secagem do cabelo até que os fios fiquem totalmente esticados, mas sem alisar.
Manteiga de karité: define os fios para a criação de penteados.
Óleos: é possível usar óleos para a divisão do cabelo e montagem de penteados.
Gel cola: pode chegar próximo ao resultado da pomada, além de ser ideal para baby hair (fios curtos e finos que nascem na linha capilar em volta do rosto).
Manuseio do cabelo e spray: usados para fixar o cabelo.