Alunos sem livros novos são excluídos de atividade que vale ponto em escola particular no Recife

Quem comprou livros seminovos ou não teve dinheiro para adquirir material novo não vai poder fazer exercício em site. Livros utilizados pelo Colégio Madre de Deus, no Recife
Reprodução/WhatsApp
Pais de alunos do Colégio Madre de Deus, no Recife, acusaram a instituição de ensino de excluir estudantes por causa da realização de uma atividade extra, valendo pontos, que só pode ser feita por aqueles que têm livros novos. De acordo com eles, quem comprou livros de segunda mão ou não teve dinheiro para adquirir material novo não vai poder fazer um exercício.
Ao g1, a mãe de uma estudante, que não pediu para não ser identificada, disse que, por causa do alto custo dos livros, decidiu comprar o material de um outro estudante. Esse repasse, segundo ela, é comum, para que os pais economizem.
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Entretanto, o colégio decidiu fazer atividades num portal vinculado à editora dos livros, mas só quem tem acesso a esse site é quem comprou livros novos.
A escola informou, por meio de nota, que as famílias receberam a lista de material na matrícula e que poderiam ter procurado outro colégio (veja mais abaixo).
“Só por comparecer a essa atividade o aluno já tem um ponto garantido. Se ele acertar 25% das questões, sobe para 1,5 ponto. Se acertar mais da metade [da atividade], são dois pontos em todas as matérias. É mais que meio ponto na média. O problema é que só acessa o portal quem tem uma senha que é concedida a quem comprou livros novos”, disse a mãe.
Ao todo, são quase 40 livros para um único ano letivo. O pacote, segundo pais de alunos, custa quase R$ 3 mil. De segunda mão, eles conseguem o material por um terço do valor.
De um ano para o outro, segundo eles, são feitos apenas pequenos ajustes no conteúdo dos livros, o que não justificaria a substituição.
O pai de uma jovem que cursa o ensino médio no colégio, que também pediu para não ser identificado por medo de represálias à filha dele, disse que os livros são pouco utilizados em sala de aula, e que o colégio tem pressionado os pais a comprarem livros novos nos últimos anos.
“Principalmente na pandemia, os professores passaram a usar ainda menos os livros. Cada um tem sua metodologia, sua apresentação. O livro é uma mera fonte de consulta. Já faz três anos que o colégio começou com um processo de pressão para obrigar a compra do livro e desde o ano passado começaram a excluir dessa avaliação extra quem não comprasse o material novo”, afirmou o pai da estudante.
Um grupo de parentes de adolescentes que estudam no Colégio Madre de Deus se disse prejudicado pela existência da nova atividade valendo ponto.
“Isso exclui os alunos e cria distinções entre eles por causa de um aspecto econômico. O livro infelizmente é de péssima qualidade e a escola ainda usa algumas apostilas. Ao saber que não iam poder participar da atividade, vários alunos choraram, ficaram desesperados. Os que têm maior poder econômico estão sendo privilegiados”, declarou uma mãe.
O pai de uma aluna contou que o grupo de pais pretende entrar com uma ação contra o colégio no Procon-PE (confira as orientações para casos desse tipo).
“A escola deve ganhar alguma comissão pela venda dos livros. Eu preferia que pedissem a comissão e parassem de usar os livros, porque eles são muito caros e não são utilizados. Isso causa indignação, porque está havendo uma bonificação baseada em privilégio econômico”, disse.
O que diz a escola
Por meio de nota, a escola negou que esteja excluindo qualquer aluno das atividades programadas para o ano letivo, “nem as integrantes do cronograma acadêmico regular, nem mesmo as atividades extracurriculares, como o processo avaliativo questionado”, e disse que a atividade “não acarreta prejuízo acadêmico para aqueles alunos cujas famílias optaram por não adquirir o material”.
A instituição disse que as famílias receberam, no processo de matrícula, a lista do material didático adotado pela escola, e que as que não estiverem satisfeitas com o material didático adotado, por qualquer motivo, “têm a opção de não realizar a matrícula ou rematrícula e buscar outra instituição de ensino que adote material didático que julgue mais adequado ou acessível”.
Além disso, o Colégio Madre de Deus disse que divulga, no início do ano letivo, todo o cronograma de avaliações e atividades pedagógicas, e que a atividade questionada é de conhecimento das famílias há aproximadamente dois meses.
“Estamos tratando de um percentual mínimo de famílias que, por razões alheias ao conhecimento da escola, não adquiriram o material didático com acesso à plataforma digital”, disse a escola, por meio de nota.
O colégio também disse que o impedimento para a realização da atividade decorre da “desídia [desleixo, negligência – segundo o dicionário Aulete] das famílias que não adquiriram o material didático” e que as famílias estão tentando “transferir a responsabilidade pela não realização da atividade para a escola”.
“Desta feita, a escola reafirma que não há obrigatoriedade para a aquisição do material didático adotado pela escola, com efeito a repercussão na vida acadêmica pela não aquisição é de responsabilidade integral da família. No caso, o acesso à plataforma se dá por meio de senha individualizada, a qual apenas pode ser acessada pelo titular, sendo assim, não adquirindo o material, não há como obter acesso às atividades ofertadas pela plataforma”, diz a nota do Colégio Madre de Deus.
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O que diz o Procon
Em entrevista ao g1, o advogado Lucas Bandeira de Mello – assessor jurídico do Procon-PE, disse que a exigência de materiais didáticos e paradidáticos é uma dúvida comum de pais e responsáveis, especialmente no início do ano letivo.
De acordo com ele, a escola deve apresentar um contrato e o projeto pedagógico, detalhando todo o material que vai ser solicitado ao aluno durante o ano, incluindo livros e apostilas, para que os estudantes possam acompanhar o conteúdo.
“Não necessariamente esse material tem que ser novo. É preciso ter algum tipo de explicação, uma alteração de conteúdo ou ajuste importante, que justifique a troca ou compra de um material novo; algo que indique que a edição antiga não vai proporcionar o mesmo tipo de conhecimento”, explica Bandeira de Mello.
Em relação à exigência do material novo para uma atividade extracurricular, o assessor jurídico do Procon-PE explicou que este tipo de atividade não está no projeto pedagógico e não poderia ser condicionada a um ponto extra.
“É preciso avaliar se este tipo de exigência faz parte da prestação do serviço [da escola], se é abusiva ou não, pois pode ferir a questão da isonomia – que determina direitos iguais na contratação. O aluno pode estar submetido a uma situação onerosa (que gera gasto extra), numa situação de vulnerabilidade: ‘ou compra o livro, ou não vai ter direito ao ponto’. É uma prática abusiva e que deve ser coibida”, explicou.
Lucas Bandeira de Mello disse que os pais e responsáveis podem procurar o Procon-PE para registrar oficialmente a queixa contra o colégio e a entidade vai investigar – ouvindo a versão da unidade de ensino sobre o assunto, para verificar se existe irregularidade na prática.
“Após a situação ser investigada, se for constatada a irregularidade, pode ser aplicada uma multa e também é possível atuar para que se chegue a uma conciliação entre os responsáveis pelos estudantes e a escola”, explicou o advogado, detalhando que independente de haver uma cláusula contratual, a exigência pode ser considerada nula, dependendo da forma como está sendo aplicada.
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