19ª legislatura foi marcada por assédio e brigas em plenário, ameaça, acusação de injúria racial e cassação inédita de um deputado em mais de 23 anos. Próxima Alesp terá renovação de 40%, com mais parlamentares mulheres, negros e jovens que nunca exerceram mandato legislativo. Deputados Arthur do Val, Fernando Cury e Frederico D’Ávila protagonizaram momentos polêmicos durante a 19ª legislatura na Alesp.
Montagem/g1
Com a posse dos 94 novos deputados estaduais, chega ao fim na noite desta terça-feira (14) na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) a legislatura mais polêmica das últimas décadas no estado.
De acordo com um levantamento do Conselho de Ética da Casa, foram abertas 93 representações no colegiado contra parlamentares na 19ª legislatura, que atuou entre março de 2019 e março de 2023.
Na legislatura anterior, apenas uma representação foi aberta no conselho em quatro anos de mandato dos 94 parlamentares.
“Infelizmente, tivemos uma legislatura muito conturbada pela polarização política nacional. Foram quatro anos de muitas brigas, ofensas, mensagens de preconceito, intolerância religiosa, racial, e até ações de assédio sexual entre os deputados, resultando na maior movimentação de representações da história do Conselho de Ética”, disse a presidente do Conselho de Ética, Maria Lúcia Amary (PSDB).
E emendou: “Considero como lamentável, pois a assembleia perdeu muito tempo discutindo atos e comportamentos dos deputados, quando poderia aproveitar mais o tempo para aprovar projetos de maior interesse da sociedade”.
A parlamentar tucana lembra que a 20ª Legislatura da Alesp – que toma passe nesta quarta – terá 30% dos parlamentares que nunca exerceram mandato na Casa, o que deve, segundo ela, desarmar os ânimos entre os deputados e superar o clima de beligerância que deu o tom dos enfrentamentos nos últimos anos.
“Espero que, com essa renovação dos deputados e o aumento de mulheres para 25 novas deputadas, esta nova legislatura que se inicia em 15 de março possa ser mais tranquila e mais produtiva, aprovando projetos que realmente vão ao encontro das necessidades da população”, declarou.
Mudanças na Alesp
Bancadas
Maiores bancadas de deputados estaduais da Alesp a partir de março de 2023.
Reprodução/TV Globo
A maior bancada desta nova legislatura ficará com o PL, que elegeu 19 deputados. Com um deputado a menos (18), o PT vem em segundo, e a terceira maior bancada é do PSDB (9 eleitos). Os outros 48 deputados eleitos estão divididos em 14 partidos. Das 94 cadeiras, 76 serão ocupadas por brancos e 18, por negros. No quesito gênero, são 25 mulheres, seis a mais do que em 2018.
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Brigas e acusações
A legislatura que se encerra foi marcada por polêmicas que vão de assédio explícito em plenário, a brigas que chegaram às vias de fato e até à cassação inédita de um parlamentar em 23 anos. Os deputados também protagonizaram casos de racismo, ameaça e xingamentos a lideres religiosos.
Entre os primeiros fatos polêmicos ocorridos na casa está a briga entre o então deputado Arthur do Val – o Mamãe Falei – e o sindicalista Teonílio Barba (PT), em dezembro de 2019, durante uma sessão para votação da Reforma da Previdência dos servidores estaduais.
Na ocasião, Arthur do Val usou a tribuna da Casa para chamar sindicalistas que participavam da sessão de “vagabundos”, o que despertou a fúria do petista (veja vídeo abaixo).
Sessão para votar Reforma da Previdência de SP é suspensa após confusão na Assembleia
No ano seguinte, 2020, o deputado Fernando Cury (União Brasil) passou o mão nos seios da colega Isa Penna (PCdoB) dentro do plenário, em uma cena registrada pelas câmeras da TV Alesp.
Por causa do ato, Cury teve o mandato suspenso por seis meses no anos seguinte (2021) e responde a processo na Justiça comum por importunação sexual contra a então parlamentar.
Vídeo mostra deputado Fernando Cury passando a mão no seio da deputada Isa Penna na Alesp
No mesmo ano de 2021, o deputado estadual Gil Diniz (PL) tentou arrancar o celular das mãos do colega Arthur do Val enquanto este filmava um protesto durante uma sessão na noite de 16 de dezembro.
Pelas redes sociais, Arthur do Val alegou que filmava os manifestantes partidários do ex-presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), que estavam no local, quando Gil Diniz tentou impedi-lo de continuar gravando.
O empurra-empura acabou também no Conselho de Ética, onde um parlamentar pediu punição ao outro, engrossando a fila das representações dessa legislatura no colegiado.
Deputados Arthur do Val e Gil Diniz discutem no plenário da Alesp
Outro parlamentar que teve representação aberta no Conselho de Ética foi o bolsonarista Frederico D’Ávila (PL), que usou a tribuna da própria Alesp para atacar lideranças da Igreja Católica. Ele chamou o papa Francisco de “vagabundo” e o arcebispo de Aparecida, Dom Pedro Luiz Stringhini, de “safado” logo após o feriado de Nossa Senhora Aparecida, em 12 de outubro de 2021.
Os membros do colegiado chegaram a aprovar uma punição de três meses de perda temporária de mandato contra D’Ávila por conta dos ataques, mas, terminada a legislatura, a suspensão não foi votada em plenário e ele se manteve no cargo por todo o período.
Em 2022, D’Ávila tentou se eleger deputado federal pelo PL, mas não conseguiu o número de votos suficientes e estará sem mandato a partir desta terça-feira (14).
Deputado bolsonarista xinga papa e arcebispo de Aparecida em discurso na Alesp
Cassação do ‘Mamãe Falei’
O ponto alto do clima beligerante foi em 2022, quando a plenário da Alesp decidiu cassar o mandato do deputado Arthur do Val após o parlamentar ligado ao Movimento Brasil Livre (MBL) fazer afirmações sexistas mulheres refugiadas ucranianas (veja mais aqui).
Do Val foi o primeiro deputado cassado pela Alesp em mais de 23 anos. O último parlamentar que havia sido cassado pelo Legislativo paulista tinha sido o ex-deputado Hanna Garib, em 1999, que era acusado de fazer parte da chamada “máfia dos fiscais” da cidade de São Paulo na época em que era vereador da capital.
Do Val havia renunciado ao cargo em abril do mesmo ano, mas não escapou da cassação em plenário que o deixou inelegível por oito anos.
Racismo investigado
Em maio de 2022, a deputada Mônica Seixas (PSOL) protocolou uma representação criminal por injúria racial na Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi) contra o colega Wellington Moura (Republicanos), acusado por ela de usar expressão racista contra a parlamentar negra dentro da Alesp.
Em sessão oficial, Moura disse que iria “colocar um cabresto na boca” da deputada. O equipamento costuma ser usado na boca de cavalos e, segundo a parlamentar do PSOL, “animaliza a deputada assim como os escravocratas num período já condenado da história do Brasil”.
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Ameaça contra Lula
Outro parlamentar representado no Conselho de Ética na legislatura que se encerra nesta terça foi o deputado Coronel Telhada (PP), acusado de acusado de fazer ameaças ao presidente Lula com uma arma em abril do ano passado. Ele chegou a responder processo por quebra de decoro parlamentar no colegiado, mas os membros do conselho aprovaram, por 5 votos a 4, apenas uma moção de censura contra o deputado bolsonarista, em junho de 2022, antes da eleição.
Telhada concorreu ao cargo de deputado federal, mas não foi eleito. Apesar disso, o filho dele, o também PM Paulo Telhada, foi eleito para a nova legislatura da Alesp). Capitão Telhada, como é conhecido, conquistou 83.438 votos e herdou a vaga do pai na Assembleia paulista.