E a Receita Federal vai apurar de que maneira uma segunda caixa com presentes de luxo do governo saudita entrou no Brasil sem ser declarada à alfândega. https://g1.globo.com/politica/blog/andreia-sadi/post/2023/03/06/em-operacao-conjunta-com-gabinete-de-bolsonaro-chefe-da-receita-mandou-liberar-joias-confiscadas.ghtml
Polícia Federal investiga caso das joias que foram apreendidas ao entrarem ilegalmente no Brasil
A Receita Federal vai investigar de que maneira uma segunda caixa com presentes de luxo do governo saudita entrou no Brasil sem ser declarada à alfândega. A Polícia Federal já abriu inquérito sobre a tentativa do governo Bolsonaro em liberar joias de diamante que entraram ilegalmente no país.
O pedido de investigação foi encaminhado pelo ministro da Justiça no fim da manhã desta segunda-feira (6) ao diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues. Segundo Flávio Dino, os fatos podem configurar crimes contra a administração pública tipificados no Código Penal, como descaminho, peculato e lavagem de dinheiro. O inquérito foi aberto no fim do dia e está sob a responsabilidade da Delegacia de Repressão a Crimes Fazendários.
O caso foi revelado pelo jornal O Estado de S.Paulo. As joias, avaliadas em R$ 16,5 milhões, foram apreendidas no dia 26 de outubro de 2021 no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos. Estavam na mochila de Marcos André dos Santos Soeiro, assessor do então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque. Eles faziam parte de uma comitiva que voltava da Arábia Saudita.
A apreensão ocorreu porque as joias não foram declaradas à Receita. Bento Albuquerque afirmou ao Estado de S.Paulo que eram um presente do governo saudita à então primeira-dama, Michelle Bolsonaro.
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O caso também está na mira do Ministério Público Federal. Nesta segunda, procuradores da República em Guarulhos e integrantes da Receita Federal fizeram uma primeira reunião para definir os próximos passos da investigação.
Segundo a TV Globo apurou, integrantes da Receita afirmaram durante a reunião que consideraram que os objetos eram um presente ao Estado brasileiro, que deveriam ter sido registrados como patrimônio da União e que tal fato foi explicado à comitiva de Bento Albuquerque. Segundo as informações obtidas, integrantes da Receita ficaram surpresos com o fato de o então ministro ter deixado de informar que eram presentes, já que ele foi comunicado sobre essa necessidade.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a quem está subordinada a Receita Federal, disse nesta segunda que as joias deveriam ter sido incorporadas ao patrimônio público.
“É uma coisa absolutamente fora, atípica. Ninguém ganha presente de R$ 16 milhões, e a Presidência da República não adotou os procedimentos cabíveis para incorporação ao patrimônio público, razão pela qual os auditores da Receita Federal, com propriedade, com muita razão, informaram o procedimento legal e mantiveram as joias no cofre da Receita Federal em São Paulo para que elas não fossem apropriadas indevidamente por quem quer que seja. Porque das duas uma: todo presente desse valor necessariamente tem de ser incorporado ao patrimônio público, e se um cidadão comum receber um presente e quiser trazer ao Brasil, ele tem que declarar.”
O jornal O Estado de S.Paulo listou oito tentativas de o governo Bolsonaro liberar as joias, envolvendo os ministérios de Minas e Energia e das Relações Exteriores, Palácio do Planalto e Receita Federal.
Os jornalistas Andréia Sadi e Artur Guimarães tiveram acesso a documentos que mostram a pressão feita por um assessor direto de Bolsonaro. No dia 28 de dezembro do ano passado, a três dias do fim do mandato, o tenente-coronel Mauro Cid, que era ajudante de ordens de Bolsonaro, enviou um ofício ao então secretário da Receita, Júlio Cesar Gomes, para reaver as joias. O assunto do documento: “Incorporação de Bens Apreendidos”. Mauro Cid afirma que as joias foram ofertadas ao presidente Jair Bolsonaro pelo Reino Unido da Arábia Saudita. Ele diz que os bens fora apreendidos pela Receita e que “foram meses para obter os documentos comprobatórios tal como exigido pela Nota Executiva da Receita Federal, ora anexados a este ofício, bem como desde já autorizo que os bens sejam retirados pelo representante Jairo Moreira da Silva.”
Técnicos da Receita disseram ao blog da Andréia Sadi que o ajudante de ordens de Bolsonaro não teria atribuição legal de fazer esse tipo de pedido, que caberia ao Gabinete de Documentação Histórica.
Uma hora depois, a mensagem foi encaminhada pelo então secretário da Receita ao superintendente do órgão em São Paulo, José Roberto Mazarin.
“Boa tarde, Mazarin. Solicito atender. Peço também encaminhar ao delegado da Alfândega Guarulhos. Abraços.”
A partir daí há uma intensa troca de mensagens de auditores sobre a demanda. A conclusão dos funcionários da Receita foi de que esse não era o formato adequado para o pedido ser atendido.
De acordo com o Portal da Transparência, um dia depois, o primeiro-sargento da Marinha Jairo Moreira da Silva embarcou em um avião da Força Aérea Brasileira para atender demandas do presidente da República, em uma última tentativa de liberar as joias.
Segundo o jornal O Estado de S.Paulo, ele se encontrou com o servidor da Receita Marco Antonio Lopes Santanna, na base aérea de Guarulhos. Mas Marco Antonio não aceitou liberar os itens, mesmo depois de um telefonema do então secretário da Receita, Júlio Cesar Vieira Gomes.
Um dia depois – 30 de dezembro -, Júlio Cesar Gomes foi indicado para o cargo de adido da Receita Federal em Paris. A nomeação foi assinada pelo então ex-vice-presidente da República, Hamilton Mourão, e foi cancelada por Fernando Haddad quando o novo governo assumiu, e Júlio Cesar Gomes não tomou posse.
A Receita Federal informou nesta segunda que vai investigar a entrada no Brasil de uma segunda caixa, com objetos e joias masculinas. A caixa estava numa bagagem que não foi fiscalizada. Os bens também não foram declarados. A suspeita, segundo a Receita, é que estava com um outro passageiro.
A caixa com um relógio, abotoaduras, caneta e anel ficou mais de um ano no Ministério de Minas e Energia. Só foi entregue ao Gabinete Adjunto de Documentação Histórica da Presidência da República no dia 29 de novembro do ano passado pelo assessor especial do Ministério de Minas e Energia, Antonio Carlos Ramos de Barros Mello. À TV Globo, o assessor disse que não sabe por que as joias demoraram tanto a ser entregues.
Em nota, a Receita afirmou que o fato pode configurar em tese violação da legislação aduaneira também pelo outro viajante, por falta de declaração e recolhimento dos tributos, e que vai tomar as providências cabíveis no âmbito de suas competências para o esclarecimento e cumprimento da legislação aduaneira, sem prejuízo de análise e esclarecimento a respeito da destinação do bem.
No dia 29 de novembro, as joias foram entregues e registradas no Acervo Museológico da Presidência da República. Até o dia 29 de dezembro, os objetos ainda constavam na lista. O Palácio do Planalto ainda não confirmou onde estão as joias.
Bolsonaro nega ilegalidade
Jair Bolsonaro disse que não pediu nem recebeu presente e que nunca praticou ilegalidade. Michelle Bolsonaro criticou a imprensa e ironizou a situação, dizendo que “tem tudo isso e não estava sabendo”, nas palavras dela.
Bento Albuquerque disse que o governo brasileiro tomou as medidas cabíveis e de praxe em relação aos presentes institucionais ofertados à representação brasileira; que, por causa dos valores cultural, histórico e artístico dos itens, o ministério encaminhou solicitação para que o acervo recebido tivesse o seu adequado destino legal; e que não teve como acompanhar o caso depois de ter deixado o ministério, em maio do ano passado.
O Jornal Nacional não conseguiu contato com Mauro Cid, Júlio Cesar Vieira Gomes e Jairo Moreira da Silva.