Professora e duas auxiliares são indiciadas por maus-tratos contra criança autista em Pirassununga; mãe viu agressões em gravação

Segundo a SSP, o indiciamento da professora Rosangela Izete Berto de Oliveira e das auxiliares Carla Fernanda Carvalho e Isabel Cristina da Silva aconteceu nos dias 3 e 10 de março. Creche Municipal Nedy de Oliveira em Pirassununga
Reprodução
A Polícia Civil de Pirassununga (SP) indiciou uma professora e duas auxiliares da Creche Municipal Nedy de Oliveira pelo crime de maus-tratos contra uma criança autista. Desconfiada das agressões, a família da menina, que na época tinha 2 anos, colocou um gravador de voz ativado na mochila e registrou um áudio de 7 horas na escola. (Ouça abaixo.)
Compartilhe no WhatsApp
Compartilhe no Telegram
Segundo a Secretaria de Segurança Pública (SSP), o indiciamento da professora Rosangela Izete Berto de Oliveira e das auxiliares Carla Fernanda Carvalho e Isabel Cristina da Silva aconteceu nos dias 3 e 10 de março. Na última segunda-feira (20) o inquérito policial foi encaminhado ao Poder Judiciário.
O g1 não conseguiu localizar a defesa das mulheres para comentar o caso.
Pais da menina esconderam celular com gravador na mochila da criança
Nilson Porcel/EPTV
A denúncia de maus-tratos foi feita em maio de 2022. Com as gravações em mãos, a mãe da criança registrou um boletim de ocorrência contra as profissionais. Elas foram afastadas da escola e o caso passou a ser investigado pela polícia e pela Prefeitura de Pirassununga.
Por nota, no dia 14 de março, a prefeitura informou que as profissionais continuam afastadas das salas de aula, continuam sendo investigadas por um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) e que enquanto a investigação não terminar, não há punição para as mesmas.
LEIA TAMBÉM:
Mãe denuncia supostos maus-tratos contra filha autista em creche: ‘você vai ficar fechada’, diz funcionária em gravação; OUÇA
Creche denunciada por suspeita de maus-tratos em Pirassununga é alvo de outras 2 investigações
Saiba como denunciar abusos e maus-tratos contra crianças e adolescentes
Gravação
Mãe denuncia supostos maus-tratos contra filha autista em creche de Pirassununga
O g1 ouviu as 7 horas de gravação e separou trechos com falas das profissionais que sugerem maus-tratos contra a criança, que passa a maior parte do tempo chorando. (Confira abaixo trechos da gravação e a transcrição).
Em um trecho, uma mulher questiona se a menina tomou banho e faz comentários sobre como a ela está vestida.
Mulher não identificada 1 – “Não tomou banho? Você tomou banho ou não? Tomou banho ou não? Não?
Mulher não identificada 2 – [risadas]
Mulher não identificada 1 – “Poxa vida, hein. Que que aconteceu na sua casa? Não tem água mais?”[trecho inaudível]
Mulher não identificada 1 – “Ela responde. Ela [inaudível], hein? Tá com água na sua casa ou não?”
Mulher não identificada 2 – “É sempre assim”
Mulher não identificada 1 – “Tem água? Tem água na sua casa, mas a sua mãe não quer dar banho em você que tá frio? Nossa, fala pra ela que você vai ficar com a xixi [inaudível]”
Mulher não identificada 2 – “Sua mãe não dá banho em você, [nome da criança]?”
Mulher não identificada 1 – “Acho que não.”
Mulher não identificada 2 – “Mas molhou o cabelinho, né? Porque o cabelinho tá molhado.”
Mulher não identificada 1 – “A calça é do dia inteiro”
Mulher não identificada 2 – “Desde ontem?”
Mulher não identificada 1 – “A sandália veio sem meia igual ontem [inaudível].
No mesmo trecho, a criança continua chorando e uma mulher afirma que se ela não parar “vai para o banheiro de novo”.
Mulher não identificada 1 – Ê, [nome da criança], que dureza. É difícil, [nome da criança]? Ah pode parar se não você vai para o banheiro de novo. Vai, eu não aguento. Você vai para o banheiro, de manhãzinha na minha orelha. Quer ir para o banheiro?”
Mulher não identificada 2 – “Onde você vai sentar? Então senta, pode brincar”
Mulher não identificada 1 – “Chora baixo também, não quer brincar abaixa a cabeça”
Em outro trecho, não é possível diferenciar a voz de uma mulher que pergunta para a criança se ela ‘quer ficar fechada’ e que, se ela não parar de chorar, ‘vai ficar aí fechada’. A suspeita da mãe é que a criança ficava trancada no banheiro ou em um cercadinho fora da sala.
Mulher não identificada 1 – “Se não você vai lá para o banheiro, que nem ontem”
Mulher não identificada * – “Quer ficar aí fechada? Se você não parar, você vai ficar aí fechada”
Criança continua chorando.
Mulher não identificada * – “Se você não parar você vai ficar fechada. Quer ficar fechada?”
[Barulho que indica uma porta batendo].
Mulher não identificada 1 – “Aí que alívio.”
Mulher não identificada 2 – “Não adianta, ela não para, você pode morrer”
Em outro trecho, a mulher fala que a criança não é autista, mas sim louca e sabe o que faz.
Mulher não identificada * – “Ela é inteligente, ela não é autista”
Mulher não identificada 1 – “Ela é louca”
Mulher não identificada * – “Não é autista, ela sabe o que faz”
Mulher não identificada 2 – “Nós vamos brincar lá fora e a [nome da criança] não vai, a [nome da criança] vai ficar aqui na sala”
Um outro trecho mostra que uma mulher parece tentar assustar a criança se passando por ‘bicho papão’.
Mulher não identificada 2 – “Eu vou pegar a [nome da criança], eu vou comer a [nome da criança], eu vou comer a [nome da criança]”
[Barulho de socos em armário]
Mulher não identificada 2 – “Eu vou pegar ela, vou pegar ela”
[Mais barulho de socos em armários]
* não é possível diferenciar a voz da mulher
Desconfiança com comportamento
Criança apresentou comportamento diferente em casa ao voltar da creche em Pirassununga
Nilson Porcel/EPTV
Em entrevista ao g1 em maio do ano passado, Ingrid contou notou comportamentos estranhos na filha ao dizer que ela teria que ir para a escola ou ao pegar a criança na creche.
A menina foi diagnosticada com autismo nível três e não fala. “Minha filha não fala, ela não sabe pedir socorro. Ela parou de se alimentar, de sorrir, de brincar. Então foi muito radial. E, na quinta-feira da semana que eu coloquei o gravador, ela chegou da creche extremamente gelada, muito assustada. Aí ela fez uma posição que imitasse como se ela tivesse presa”, disse.
“Sabe aquela coisa de mãe? Eu falei ‘meu Deus, tá acontecendo alguma coisa’, aí eu acalmei minha filha e quando eu fui tentar dar banho nela, ela entrou em choque, acho que porque o banheiro era um lugar traumático. Ali mesmo, na minha própria cabeça eu falei, ‘tão colocando minha filha no banheiro'”, completou.
Ingrid, mãe da criança que teria sido vítima de maus-tratos em Pirassununga, ao lado do marido
Nilson Porcel/EPTV
Diante das desconfianças, Ingrid e o marido resolveram colocar um celular com o comando de gravador de voz ativado dentro da mochila da menina. A mulher contou que ficou chocada e revoltada com o que ouviu.
“Decidimos colocar um gravador, pelo menos a gente vai conseguir ouvir o que está sendo falado. A gente achava que estava tendo maus-tratos, mas de gritarem com ela. Na hora que a gente escuta o áudio é um absurdo, é muito desumano, é coisa que não dá para acreditar que fizeram com uma criança”, desabafou.
Ingrid procurou as autoridades e o caso mobilizou a cidade de pouco mais de 77 mil habitantes. “Só quero justiça pro que aconteceu”, finalizou.
Veja mais notícias da região no g1 São Carlos e Araraquara.

24/03/2023 19:34

Nenhuma visita